quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Nova Crítica (MOSTRA TIRADENTES)

(críticas realizadas durante a Mostra de Tiradentes
publicadas nos sites da Revista Moviola e


"Laurita, de Roney Freitas

por Ursula Rösele


Laurita é apelido somente para nós, espectadores. Para aqueles que com ela dividem o quadro e os espaços ela é Laura, a menina em flor, que deixa de ser menina e vive o limbo que é a interseção criança-mulher. A seu redor, os homens transitam como que isentos do que os rodeia, exercitando uma rotina aparentemente de férias. As mulheres daquela casa, ao contrário, são mulheres em demasia, com direito às divergências tradicionais do sexo feminino quando em conflito com seu igual, e para tornar a situação do caos ainda mais iminente, elas são irmãs, tias, primas, filhas.

Em todos esses graus de parentesco, o diretor Roney Freitas construiu uma ambiência já um pouco recorrente no cinema contemporâneo, fruto do olhar latino de Lucrécia Martel. Em seu incensado longa O Pântano, Martel deu vazão ao universo tortuoso da entrada na adolescência, que se para homens está representado por pêlos e mudanças na voz – e importante dizer, mais liberto das prisões tradicionais -, para mulheres é visceral, pois que é sangue. Recentemente exibidos em Tiradentes e Ouro Preto, dois outros curtas trouxeram este universo às telas: Corpo no Céu, de Luisa Marques e Eu e Crocodilos, de Eva Randolph, retratavam, através do olhar de garotas, as dificuldades de lidar com as mudanças do corpo, o surgir da sexualidade, as vergonhas, as proibições; tudo isso em meio às suas relações com a família. E assim como em O Pântano, esses curtas também colocam suas personagens em contato com a água, seja através das piscinas de Corpo no Céu e Laurita, seja através do lago pantanoso de Eu e Crocodilos.

Laura permanece quase que na maior parte do tempo em silêncio, transmitindo essas suas questões através de um olhar que evoca o susto, o receio, o anseio também. Retira os pêlos do ralo do banheiro, provavelmente temendo que alguém – que pode ser sua tia doente – os veja. Em sua conturbada interioridade, está sua mãe, hospedada naquela casa sem o marido, exposta à irmã que parece ter com ela questões de longa data. A morte também é assunto iminente, visto que a irmã mais nova – tia de Laura – parece estar em tratamento para câncer. Nela, faltam pêlos, em Laura, eles abundam.

Existe em Laurita, acima de tudo, a divergência mulher-mulher. Os homens ali não participam, apenas co-habitam. As mulheres têm inveja, raiva, rancor e tudo aquilo parece sempre a ponto de irromper em uma separação definitiva. Essas tensões invadem o dia a dia de Laura, que transita por ali quase que não pertencente, mas ao mesmo tempo agente dessa dissolução que acaba por ocorrer. A tia doente dá um chocolate para duas das três garotas e Laura fica sem. Numa atitude clássica de criança, de uma infância assombrando esta menina que ainda que não queira está prestes a se tornar mulher, Laura age como Laurita e rouba o outro chocolate que a tia guardara para si.

O grande mérito deste filme, também reflexo desse diálogo com Martel comentado acima, é o ritmo narrativo construído pelo diretor, que sugere algo catártico em sua decupagem, mas mantém as tensões crescentes nos silêncios, nos olhares e em uma melancolia que toma conta basicamente de tudo ali; da Laurita menina, da Laura mulher e de sua mãe principalmente, aquela que parece gritar em seu interior, mas já ciente de sua maturidade, reconhece que o melhor ali é calar-se."


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por Paulo Ricardo de Almeida

"Laurita (que dá título ao filme) nada na piscina com as primas. Ela e mãe, Rita, moram de favor na casa, e esperam a visita dos tios. Laura ajeita o biquini debaixo d’água, incomodada com os pêlos pubianos que nascem, com o início da puberdade. Mais tarde, após tomar banho, observa a axila, à procura dos mesmos indícios da adolescência.

Cinthia, a prima que a visita, amplifica a crise de Laura, já que passou por tratamento de câncer e perdeu os cabelos, que voltam a crescer. Fascinada, Laurita rouba e come o chocolate que Cinthia escondera, talvez para, como os índios canibais, absorver a força do inimigo – Roney Freitas traça paralelo entre os cabelos que renascem após o câncer e os pêlos que despertam na puberdade (que o cineasta reforça na sequência em que a protagonista vê, no parque de diversões, Monga, a mulher que se transforma em gorila).

Narrativa clássica, Laurita trata de maneira delicada e sutil não apenas as questões da adolescência, como também os conflitos familiares."

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